sem título [2]

- Você conseguiu o que pedi?
- Sim...
- Quanto é?
- 200
- 200?? Eu não tenho esse dinheiro... vamos fazer assim... te dou 120 e uma chupada, ok?! - já foi ajoelhando e abrindo a calça do cara, antes que ele recusasse. Ele gemeu. Aceitou o acordo.

Ela pegou a arma. Uma velha arma. Talvez da Segunda Guerra Mundial, pensou. Ou talvez tenha sido tão barata porquê alguém queria livrar-se dela a qualquer custo. Se arrependeu de não ter reclamado do preço, poderia ter economizado seu batom.



Ele ia andando pela rua despreocupado. Já era noite e ele adorava isso. Havia poucas pessoas na rua e um certo perigo no ar. Morava numa parte marginal da cidade, porém tranquila. Tinha saído pra comprar cigarros. Enquanto acendia o primeiro cigarro da carteira, lembrava que sempre diziam pra ele que Carlton era cigarro de puta. Achava isso engraçado.

- Tem um cigarro? - perguntou ela encostada num muro.
- Ah! Sim! - disse ele meio assutado. Não esperava encontrar ninguém aquela hora na rua, ainda mais uma menina tão gostosa quanto aquela. Ficou de pau duro. Disfarçou.
- Valeu... - falou já acendendo o cigarro.
- É... que fazes sozinha na rua uma hora dessas? - ele queria saber se ela era prostituta... se não, melhor ainda... quem sabe comia ela sem gastar nada!
- Esperando... - soltou a fumaça.
- Esperando o quê?
- Alguma coisa acontecer.
- Posso ajudar em alguma coisa?
- Já ajudou... valeu pelo cigarro. - virou o rosto. Ela não queria parecer interessada na conversa.
- É... vou indo... boa noite então... - ele começou a caminhar um pouco decepcionado. Decidiu ir comer sua namorada de manhã cedo, antes que ela saísse pro trabalho. Achou engraçado a forma como pensava em sexo. Era só sexo. Pra ele sempre foi. Nunca amou. Sabia só o que era uma boa putaria. Sua namorada o amava. Bastava.

Ouviu uns passos atrás dele.Se virou. Era ela!
- Ei! Me paga um café? - perguntou ela esperando um "não".
- Pode ser... mas não há nenhum lugar aberto agora...
- É... devia ter imaginado... não moro por aqui, não conheço essa parte da cidade...
- Moro perto... quer ir à minha casa? - perguntou ele esperando um "não".
- Tá... tudo bem.

Ele sorriu.



Andaram o caminho todo em silêncio. Quando chegaram ao pequeno e desarrumado apartamento ele apressou-se pra fazer o café. Ela pediu pra usar o banheiro, e já ia tirando o casaco que usava.

Sentaram-se um de frente pro outro na pequena mesa de jantar.
- O que realmente fazias encostada naquele muro?
- Um cara me deixou ali.
- Seu namorado?
- Não tenho namorado...
- ... - ele sorriu.

- E você? Porquê sozinho numa noite dessa?
- Fui comprar cigarros.
- Ah! me dá outro cigarro?

Ele colocou a carteira de cigarros em cima da mesa e pegou um pra ele também. Fumavam e tomavam café.

- Tem namorada? - perguntou enquanto apontava para uma foto na estante.
- Tenho sim - respondeu meio envergonhado. Tinha esquecido de esconder o porta-retratos com sua foto e da namorada.
- Você a ama?
- Porquê a pergunta? - ele desviou o olhar.
- Nada... curiosidade...
...
- Às vezes a amo. Na verdade não.
- Engraçado isso - ela sorriu. Ele também. - Eu amo um cara. Ele que me deixou naquela rua.
- Vocês terminaram?
- Já disse que não tenho namorado. É um cliente.
- Cliente?
- Sim...
- Você é uma prostituta?
- Sim... e não precisa fazer cara de surpreso. Sei que pensou isso quando me viu. Ficou até de pau duro. - ela sorriu. Ele ficou vermelho.
- Desculpe pelo pau duro. Faz um tempo que não vejo minha namorada.
- Tudo bem. Um pau duro é como um elogio pra mim...
- Mas, você ama um cliente?
- Já faz um tempo que ele sai comigo. Conversa, conta os problemas que tem com a esposa. Se preocupa comigo na hora que transamos. Faz com carinho... faz parecer que me ama... - acendeu outro cigarro.
- Você se apaixonou? Achei que era uma regra das prostitutas nunca se apaixonar... Você é fã da Julia Roberts por acaso?
- Hããã?!!
- Esquece...

Sorriram.

- Eu disse a ele que o amava uns três meses atrás e ele me bateu muito. E nunca mais me procurou.
- E como vocês se encontraram hoje?
- Eu sabia que ele voltaria...sou muito boa no que faço. Tem gente que não sabe fazer muitas coisas e eu não sou boa em muitas coisas. Sei só dar uma foda bem dada. Vivo assim... sustento minha mãe.
- O que sua mãe pensa de você?
- Não me importo com o que aquela velha pensa. Sustento ela. Enquanto eu comprar os remédios dela, ela não vai reclamar.
- Sei...
- Eu ia matá-lo hoje!
- O quê?
- Eu tinha esperança de um dia ele ficar comigo. Sou idiota! Comprei uma arma um tempo atrás pra me proteger de clientes que não cumprem acordos. Ás vezes os ameaço e levo uma grana a mais. È engraçado vê-los tão viris durante a foda e logo depois que tiro a arma da bolsa, chorarem como uma criancinha. Depois que desço do carro eles me chamam de vadia, de puta, de vagabunda. Não era o que eles queriam?
- Você ia matá-lo de verdade?
- Sim.
- Porquê?
- Porquê sim... você tem alguma coisa pra comer?
- Acho que sim... tem queijo na geladeira.

Ela levanta e serve-se de pão, queijo e um pouco mais de café. Ele também enche sua xícara.

- Você não disse porquê ia matá-lo.
- Na verdade nem sei porque estou contando essas coisas pra você. Nem lhe conheço...
- Talvez precisasse de alguém pra conversar.
- Não acredito nisso. "Precisar de alguém pra conversar" é o tipo de coisa que se lê em livros de auto-ajuda. Não preciso de ninguém.
- Penso isso também quando não tenho ninguém pra conversar. Nunca tenho ninguém pra conversar.
- Você tem sua namorada, não?!
- Não converso com ela. Não gosto de fazer as pessoas acreditarem que me conhecem. Porquê não o matou hoje?

Ela não respondeu. Ele levanta pra usar o banheiro.

- Belo pau!
- Hã?! - o costume o impediu de fechar a porta. Envergonhado, terminou rápido de mijar. Ela dá uma sonora risada.
- Esqueci de fechar a porta...
- Tudo bem, já estou acostumada com isso. Não precisa ficar envergonhado.
- Não estou mais - riram bastante disso.



- Como é estar com uma pessoa e não amá-la? - perguntou ela minutos mais tarde.
- Você deve entender isso melhor que eu...
- Tem razão... Isso não é irônico? Duas pessoas se encontrarem numa noite: uma que nunca amou, e é amado, e uma que ama muito um cara, e não é amada por ninguém.

Ele fica calado um tempo.

- Tá afim de deitar?
- Sim...
- Se importa de dividir minha cama comigo?
- Não... posso tomar um banho antes?
- Sim
- Me empresta umas roupas?
- Pega ali naquela gaveta - disse ele apontando pra uma pequena cômoda. O apartamento era pequeno, dava pra vê-lo todo da mesa de jantar.

Enquanto ela tomava banho, ele pegou a bolsa dela. Olhou a arma. Era velha. Talvez muito usada já. Pensou que ela podia matá-lo se quisesse. Mas não ficou preocupado com a possibilidade.



Quando ela saiu do banheiro, ele já estava deitado esperando-a. Ela estava vestida com uma cueca e uma desbotada camiseta de David Bowie dele. Ele apenas de short e meias.

- Você usa meias pra dormir? - ela riu alto
- Sinto frio nos pés... você me faz parecer tão patético.
- Fico feliz pelas meias. Não parece que você quer me comer.

Ele não responde. Ela deita do seu lado e ambos ficam alguns minutos olhando o teto.

- Porquê você é tão direta quando fala de sexo? Você sempre usa esse vocabulário?
- Sim. Comecei a falar assim depois que perdi a virgindade.
- Como foi?
- Foi no banco de trás de um carro com meu primeiro namorado. Gostava muito dele e estava feliz de perder o cabaço com um cara que gostava. Havia sonhado várias vezes com esse momento que acreditava mágico. Sonhava que quando atingirmos o orgasmo juntos, ele diria que me amava, e eu seria a mulher mais feliz do mundo!
- Aconteceu assim?
- Um pouco diferente: quando ele gozou, disse "que buceta gostosa", fungou um pouco no meu pescoço, tirou o pau e mandou eu me vestir porquê precisava ir logo pra casa. Fiquei lá, paralizada, sem "eu amo você" e muito menos um orgasmo. - ambos riram
- A minha foi parecida com a sua. Ninguém disse "eu te amo", gozei logo. A menina ficou chateada comigo, mandou eu me fudêr.
- Eu deveria ter feito isso também.

Cada uma acendeu um cigarro.

- Me ajuda a matar o cara?
- Nem sei porque você quer matá-lo.
- Quem vai matar sou eu. Só quero ajuda na hora da fuga, e pra me livrar da arma.
- Talvez... nunca matei ninguém.
- Nem eu... Nunca é tarde. - riram. Ficaram um tempo calados. Terminaram de fumar seus cigarros.

- Qual seu nome? - Perguntou ele depois de alguns minutos de silêncio.

Ela ficou calada. Talvez já tivesse dormido. Ele virou-se e dormiu também.

Não fizeram sexo aquela noite.